segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Uma pedra no caminho da segurança pública do Rio de Janeiro

Os novos rumos da segurança pública no Rio de Janeiro parecem estar caminhando a passos mais longos que os de outrora, principalmente em virtude da criação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) a partir de 2008, inicialmente no morro Dona Marta e estendendo-se atualmente para outras 13 favelas da cidade. Nessas localidades a incidência de homicídios e de trocas de tiros envolvendo traficantes ou milicianos, entre diferentes facções, ou entre a polícia, diminuíram consideravelmente segundo dados da Secretaria de Segurança Pública do Estado, mesmo que isso signifique uma migração dos criminosos para áreas como Baixada Fluminense, Região dos Lagos, Niterói, São Gonçalo ou a mudança de ramo profissional dentro do crime.

Esta política de segurança pública por um lado mostra-se eficiente na redução da criminalidade nessas áreas, por outro lado, mostra o antro de corrupção e conivência por parte de alguns membros das fileiras policiais, ficando isso latente no caso da ocupação do Complexo do Alemão pelas forças de segurança. Casos como o de policiais que fornecem suas fardas para que os traficantes saiam camuflados do local, por viaturas policiais que levam os fugitivos no calar da noite em seus porta-malas, pela ocupação que por algum motivo “desconsiderou” uma das principais rotas de fuga do local: a rede de esgoto recentemente construída por ações do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC). No entanto estas mesmas forças de segurança tinham em mãos o mapa da rede esgoto quando perguntado por jornalistas.

O Departamento de Polícia de Nova York (NYPD), nos Estados Unidos, tinha se cerca de 22 mil policiais passando a 37 mil policiais ao longo da gestão do Prefeito Rodolph Giuliani, sendo o maior efetivo policial municipal do país, em sua gestão, entre 1994 e 2002, foram demitidos mais de 8 mil policias envolvidos com corrupção e outros crimes segundo Luiz Eduardo Soares, ex-Secretário Nacional de Segurança Pública, paralelamente foi realizado o treinamento de um novo efetivo advindo em sua grande maioria das Faculdades de Direito. O trabalho iniciou-se pelas delegacias de bairros populares como Bronx e Harlem, onde o convívio com o crime era mais tolerado. Essa ação fazia parte da famosa política de “tolerância zero”, onde se punia pequenos delitos em estabelecimento diverso das penas mais graves e com penas alternativas (da assistência comunitária a privação provisória da liberdade). Aliado a isso, houve o fortalecimento do Poder Judiciário, em especial, do Ministério Público, visando garantir a punição de grandes criminosos, que contratavam renomados advogados para seus casos. Houve também o aumento substancial do salário médio dos policiais que atualmente é por volta de 8500 reais. Neste valor não está incluído o pagamento de horas extra nem adicional por trabalho noturno ou em feriados. Somados estes valores ao salário, mais a ajuda de custo para a compra de uniforme, o policial poderá receber até 10780 reais por mês. Essa política conseguiu somente entre 1993 e 1996 diminuir os homicídios de 3000 por mês para 700, sendo o responsável a nível nacional pela redução de 60% dos homicídios em 1997. Mudando o status de Nova York de uma das cidades mais violentas dos Estados Unidos, em 1993, para a cidade mais segura do país, dentre as grandes metrópoles, em 1997, segundo o Federal Bureau of Investigation (FBI).

No Rio de Janeiro, o efetivo das Polícias Militar e Civil é cerca de 46 mil policiais, segundo o Fórum de Segurança Pública - Anuário 2010, que recebem em sua grande maioria um salário líquido de 950 reais e são submetidos a jornadas exaustivas, onde suas vidas são postas a prova diariamente. Somente este ano mais de 60 policiais foram mortos. Sendo expostos a tão severo cotidiano, muitos procuram uma válvula de escape, principalmente em drogas lícitas e ilícitas, além propiciar ainda mais condutas omissas e corruptas diante de fatos irregulares.

O atual Secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, depara-se com uma realidade nefasta: dentro desses 46 mil policiais, muitos estão envolvidos em condutas irregulares, atitudes como a dos policiais do caso Afroreggae ou do caso Rafael Mascarenhas são corriqueiras. É preciso, portanto, haver um divisor de águas nessa nova política de segurança do Rio de Janeiro, acompanhado a expansão das UPPs e dos projetos sociais e de urbanização dos morros cariocas, faz-se necessário uma reestruturação radical das policias do Estado, assim como houve em Nova York. Isso envolve aspectos que vão do salário médio pago aos policiais até a expulsão mediante processo criminal e administrativo dos envolvidos em práticas delituosas. Além disso, a criação de uma Corregedoria Externa para as forças policiais é essencial nesse processo. Como dissera Calos Drummond de Andrade: “no meio do caminho tinha uma pedra, tinha uma pedra no meio do caminho”.

João Victor Rabelo é pesquisador do Laboratório de Estudos e Pesquisas da Conflitualidade e Violência (COVIO) da Universidade Estadual do Ceará (UECE). Estudante de Ciências Sociais da UECE e de Direito da Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Bolsista do Progama de Educação Tutorial (PET) do Ministério da Educação (MEC).